Resumo:
Escrever sobre Comunicação Social. Segurança e Defesa, é o mesmo que tentar a quadratura do círculo.
São sectores da vida nacional com objetivos em si próprios divergentes. interesses na maioria das vezes inconciliáveis e, com poucas afinidades. A defesa dos respetivos valores faz-se num dos casos de forma restritiva, e no outro, sem limites. A sua ação é contraditória Ao secretismo e confidencialidade, opõe-se a divulgação pública.
O confronto é diário, sem regras e sem tréguas. De um lado os jornalistas. do outro as Forças Armadas, militarizadas ou policiais. O campo da luta embora vasto, reduz-se tão só, aos esforços para reservar ou divulgar a informação. Conjunturalmente os dois pretendem o mesmo. Por razões estratégicas. acontece por vezes que um deles prescinde dos seus interesses.
Mas então será ou não possível encontrar uma base de entendimento comum? Se é verdade que no plano prático parece impossível no plano teórico é de crer que tal se possa verificar.
1. COMUNICAÇÃO SOCIAL E JORNALISMO
Para evitar confusões, é necessário antes de mais, definir o objeto do tema proposto, a meu ver, equívoco,
Embora a finalidade seja tratar as relações entre a Comunicação Social e, a Segurança e Defesa, julgo que se pretende é estabelecer um quadro de relações entre o jornalismo/jornalistas e a Segurança e Defesa.
Como noutras áreas, também na Comunicação Social a mudança foi rápida e radical, tendo como causas principais as transformações sociais e o desenvolvimento tecnológico do pós-guerra. A televisão e as leis do mercado fizeram o resto.
Uma mudança com implicações profundas a nível empresarial, e inevitavelmente nas redações. A caneta. o pequeno bloco de notas, a máquina de escrever, deram lugar ao gravador e ao computador. o chumbo ao offset, o whisky à coca-cola, o Bairro Alto e Cais do Sodré à 24 de Julho.
Da tarimba outrora feita ao longo de muitos meses, e por vezes anos, dedicados a tarefas «aparentemente» desinteressantes. onde se testava a vontade e conquistava o espírito de camaradagem profissional (tão importante para um jornalista), passou-se à formação em cursos superiores de qualidade duvidosa, higienicamente afastados da prática e longe da realidade do quotidiano. As poucas exceções confirmam a regra.
Um processo acompanhado pela inevitável alteração de valores e comportamentos. Irreverência, competitividade e materialismo, foram noções que ganharam lugar no léxico da profissão e passaram a alimentar o debate interno, em vez da objetividade, rigor e isenção. de tempos apesar de tudo próximos.
Uma nova geração de jornalistas passou a ocupar as redações. Uma geração que nasceu com a democracia, cresceu e movimenta-se na Aldeia Global sem problemas, mas tem dificuldades em questioná-la.
O jornalismo de repente passou a ser mais uma profissão, e não a Profissão.
Passámos a vender notícias, e não a dar notícias. A fome, a guerra e a pobreza são hoje notícia porque «vendem» e não pelo seu valor e interesse para a comunidade.
Assim nasce a Comunicação Social, designação genérica para um Poder, que simplesmente deixou de ser, e ter, quando aceitou substituir os ideais pelo comércio.
Aquilo que hoje vulgarmente se designa por Comunicação Social, ou mais pomposamente os Media, mais não é que um produto, que os empresários vendem com o objetivo do lucro, traduza-se este em dinheiro, influência ou poder. Quanto ao Estado a troca tem por objetivo a preservação do poder político, a liderança, o controlo da opinião pública.
O objetivo último é sempre o mesmo, vender. As audiências medem a capacidade de convencer o cidadão comum. Não é impunemente que as técnicas publicitárias entram na política. A imagem das pessoas públicas é, em grande parte, o resultado daquilo que a Comunicação Social diz e mostra.
A sua capacidade para afirmar convicções afere-se pela habilidade com que utilizam a comunicação, e principalmente a televisão (a título de exemplo registe-se o papel desempenhado pelas sondagens e debates, na recente campanha eleitoral).
«Os meios de comunicação devem ser veiculadores de opinião, uma opinião selecionada, hierarquizada, subjetivizada e devem contribuir para a construção de um novo modelo cultural. É preciso inventar outro /modelo,
Francisco Pinto Balsemão num colóquio sobre Comunicação Social.
Transformada em correia de transmissão do diálogo entre os poderes e a população, a Comunicação Social e seus agentes, entre os quais os jornalistas, torna-se parte de um jogo no qual sem dar por isso perde a credibilidade autêntica e ganha uma credibilidade virtual.
O seu poder depende do número de vendas e audiências, ou da margem de liberdade que é concedida, em função dos interesses políticos ou económicos.
A isenção, rigor e objetividade há duas décadas, autênticos dogmas que estimulavam o exercício da profissão e constituíam referências éticas, são hoje valores remetidos para o interior dos compêndios.
Estimulados por um estatuto ganho com a rapidez com que os poderes se apercebem da sua utilidade, os jornalistas (ou boa parte deles) facilmente abdicam da sua independência para passarem a executores de estratégias empresariais ou de conquista de poder. E é nessa medida que o seu papel social, cresce ou decresce.
É vulgar ouvir falar de «homens da Comunicação Social» e não de jornalistas. É cada vez mais ténue a linha que separa a missão de uns e outros, se se pode fazer uma distinção. O que acredito que sim.
A dificuldade, está na delimitação da área de atuação da Comunicação Social. Das regras do exercício, do objeto, da definição clara das interdependências, E principalmente da formação dos seus agentes, nomeadamente os jornalistas.
A situação equívoca em que se vive resulta de hoje não se saber bem quem é o quê, onde, como e porquê. De um processo de osmose entre a Comunicação Social, a política e o mundo dos negócios, O desempenho da atividade jornalística desenvolve-se agora em campos variados, Nos gabinetes da política, junto das empresas, no mundo da publicidade, do turismo, nos meandros do mercado bolsista, A sua técnica, saber e capacidades, são dia a dia colocadas
sem controlo, ao dispor de objetivos que contrariam a sua formação.
Esbatem-se deste modo as fronteiras da profissão.
E se culpas cabem aos jornalistas, não se pense que apenas a eles devem ser assacadas responsabilidades.
Não é verdade que filósofos, sociólogos e politólogos já defendem que a democracia deve ser repensada por forma a cumprir-se como ideal de organização de uma sociedade mais justa, de homens livres e responsáveis?
E não será verdade que cabe aos jornalistas, como arautos das boas e más novas, repensarem o significado dessa liberdade e responsabilidade, essência da profissão que escolheram?
Não chega quedarmo-nos pela pura constatação dos factos, Alguns de nós, ao longo deste século, foram agentes ou catalisadores de mudanças sociais Direta ou indiretamente.
A recusa do abastardamento profissional, deverá ser hoje um imperativo de quem abrace a carreira. Estou de acordo com Karl Popper quando diz, que antes de dar início à atividade profissional o jornalista devia fazer um juramento. Ser jornalista é um compromisso com a sociedade, para uma vida.
2, A REALIDADE VIRTUAL
Com a contribuição da Comunicação Social, o mundo corre hoje um risco muito sério, de se tornar uma imagem de si próprio.
Técnicas semelhantes às que deram origem à realidade virtual no mundo dos computadores. estão a ser aplicadas à organização das sociedades humanas.
Estamos a criar um mundo virtual.
Uma realidade determinada por interesses que ninguém conhece, que ninguém vê, e ninguém controla.
Na medida em que participam na sua construção. os jornalistas tornam-se naturalmente agentes e responsáveis.
Daquilo que em cada dia é notícia, em qualquer parte do globo, a opinião pública apenas toma conhecimento de uma pequena parte. Uma pequena parte que determina e condiciona a vida de todos os seres humanos. Uma pequena parte, escolhida, reportada e difundida de acordo com estratégias, ou «interesses superiores» de quem tem o poder de dizer: «…isto escreve-se, transmite-se ou emite-se, e isto não …»
Com a consciência que vivemos na tal Aldeia Global, fácil se torna ter a perceção das implicações para a nossa vida, do conhecimento de determinado facto em determinado momento.
Goebbels percebeu isto, e utilizou a técnica de forma magistral. Tudo o que parece é.
O poder da Comunicação Social na formação da opinião pública e a capacidade de influenciar o pensamento e comportamento dos cidadãos, é inegável. É pois a partir desta realidade que temos de analisar as implicações sociais da sua ação.
Se a forma e o conteúdo do relato dos acontecimentos não estiverem de acordo com princípios éticos básicos, o que a partir daí se gerar pode provocar danos incalculáveis para a comunidade.
É do desregulamento de padrões de comportamento ético, neste caso associado à competência técnica, seriedade e honestidade profissionais, que resulta a facilidade com que terceiros manipulam a verdade. transformando-a ou alterando-a, e criam aquilo que me arrisco a designar por realidade social virtual.
De facto, um mundo construído e apresentado na base de acontecimentos manipulados, é falso, porque é estranho à sua essência.
Ao pautar os atos do nosso dia a dia, opiniões e atitudes, tendo por base imagens e conceitos que nos são impostos de forma mais ou menos subtil, violenta ou repressiva, estamos a criar o homem virtual. Um ser condicionado e abúlico, pronto a ser utilizado e enquadrado em qualquer cenário.
É aqui que introduzo para reflexão, o papel da Comunicação Social, como instrumento do poder, capaz de determinar comportamentos que podem anular o ser humano ou exaltá-lo.
É finalidade última de todas as formas de organização social, criar condições para que o homem seja feliz.
A liberdade de informação é um dos pilares da construção de um estado democrático, que tem por objetivo a justiça social e o bem estar dos cidadãos.
Será dessa forma que ela se cumpre? será que a Comunicação Social que ternos, faz o homem mais feliz? o exalta? o potencia? o torna mais criador? mais solidário? menos egoísta? mais humano? diferente dos irracionais?
São perguntas que quem tem a responsabilidade de gerir ou ser agente de um órgão de Comunicação Social, tem de responder.
São perguntas que quem tem por missão governar, tem de responder antes de legislar.
E se não encontrarmos respostas para elas, se formos incapazes de ir ao encontro do exercício nobre de uma das principais conquistas da sociedade democrática, desvirtuando-o, impedimos o homem de usufruir a única forma de organização social capaz de responder aos anseios de liberdade e felicidade.
Atentemos por momentos à nossa volta. Evitemos ir mais além daquilo que os nossos olhos podem abarcar e os sentidos entender. Olhemos e registemos bem. Essa é a realidade. Para além disso é um mundo que poderemos imaginar, pela nossa cabeça ou pelos olhos dos outros, mas sempre uma imagem.
Comparemos agora, esse mundo a que os sentidos são forma, com o que é lido nos jornais, ouvido na rádio ou visto na televisão. Sejamos por um momento apenas, juízes. São comparáveis? são iguais? são diferentes?
« … nas ruas sente-se um mundo, nos jornais lê-se outro»
Carlos Pimenta, eurodeputado do PSD, entrevista a O Diabo.
Poder-se-á alegar que este é um raciocínio primário. Será contudo menos verdadeiro por isso?
Não resisto à exemplificação com um dos casos tipo, motivo de longas discussões no início da minha vida profissional: o copo com água até meio, estaria meio cheio ou meio vazio? Qualquer das respostas estará obviamente certa, mas implicará sempre um juízo feito pelo observador. Por outro lado, a verdade é que o copo não poderá nunca estar só cheio ou só vazio, conforme seja do «interesse» do observador transmitir a sua perceção da realidade. Porque, desta forma, será sempre uma realidade virtual; imaginada em função do interesse.
3. OS PODERES
As relações com o poder, ganham uma especial acuidade quando se trata da Comunicação Social.
Relações complexas, nem sempre fáceis de detetar, que se alteram em função do grau de resistência das empresas e jornalistas, e aumentam de intensidade na razão inversa de um exercício profissional independente.
A independência em Comunicação Social deve ser entendida como um exercício sério e rigoroso, e menos, como não dependência.
Como de alguma forma procurei atrás deixar subentendido, este, é um sector onde se sucedem as experiências de poder. Por si passam formas multifacetadas de manifestações de grupos ou indivíduos, cujo único objetivo é exercer o domínio e o controlo dos outros. O dinheiro poderá ser um dos fins, mas não é único.
Dando por adquirida a capacidade da Comunicação Social para influenciar os indivíduos, fácil se torna concluir pela inevitabilidade das tentativas para a sua instrumentalização pelos poderes.
Refiro poderes e não, poder. Porquê? Porque nem sempre a lógica da subordinação do poder político ao económico, ou vice-versa, é verdadeira. Muitas vezes os interesses divergem ou são conflituais. Se na esmagadora maioria dos casos é possível etiquetar responsabilidades, em teoria tudo se torna mais difícil, quase impossível, quando nos referimos a multinacionais de
notícias ou grandes grupos de comunicação.
Porém porque nos referimos a indivíduos hierarquicamente dependentes nas suas inter-relações, é sempre encontrar responsáveis.
A aquisição do poder tem como objetivo conseguir lucros financeiros, mas pode igualmente estar associada a ideais de distribuição e redistribuição de benefícios. Uma situação mais ou menos clara no primeiro caso, mas sinuosa no segundo.
Aqui o objetivo principal subdivide-se, e passa a depender da realização de objetivos secundários; há que dar corpo ao conjunto, transformando-o num projeto. O poder pulveriza-se e passa para um estádio superior em que se jogam as capacidades dos indivíduos para o obter, anulando-se uns aos outros, e alternando conjunturalmente vitórias e derrotas.
Atualmente, penso ser possível introduzir uma terceira expressão de poder; a do conhecimento, ou saber.
É esta a lógica do momento. A sujeição dos poderes político e económico, ao saber. Tomou-se pois vital conseguir a chave do saber: ou seja, deter a informação.
Ora a informação só tem valor, quando é partilhada, Escondida, ignorada, o seu valor é igual a zero, porque impede a manifestação de poder a quem a detém. Logo. importante é gerir a informação.
Como meio privilegiado de diálogo entre o poder e os cidadãos, a Comunicação Social joga neste caso um papel insubstituível. Porque promove, divulga, insinua, questiona, exerce pressão…
Por isso, o que é dito ou não, o que é relatado ou não, o que é reportado ou não, se torna tão relevante. Os acontecimentos só o são, na medida em que se tornam conhecidos, A notoriedade é hoje um valor que qualquer indivíduo ou grupo, com ambições, quer alcançar.
Se o diálogo passa pela Comunicação Social, é então necessário assumir o seu controlo. E isso passa por formas com maior ou menor grau de sofisticação. A pressão direta da influência, a chantagem, a asfixia económica, a autocensura, a limitação da liberdade de expressão, a limitação do acesso às fontes, a facilidade de acesso à informação, a formação profissional, a coação psicológica, o confronto físico, a morte, a imposição, a censura, os meios de produção,
os subsídios, os tribunais, etc…etc…etc…
O confronto torna-se inevitável. O direito à informação das sociedades democráticas entra em rota de colisão com os poderes. Como compatibilizar pois, interesses divergentes?
O de conferir aos cidadãos o direito de serem informados de tudo o que a eles diz respeito e que de forma positiva ou negativa interfira com os seus direitos e, o poder de determinar o que pode e o que deve ser dito e conhecido?
Parece-me um debate sem fim, tantas são há tanto tempo as formas avançadas para resolver um conflito incontornável.
Uma única solução parece possível. Encontrar e definir os pontos de entendimento, regulamentar os outros, e assumir uma posição de permanente respeito mútuo alicerçada na responsabilidade social.
4. SERVIÇO PÚBLICO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
O regresso ao debate sobre a existência de um serviço público de comunicação social, será a consequência natural da progressiva degradação do sector, seja quanto ao objeto, à forma ou ao conteúdo.
Não se pode negar o papel da iniciativa privada numa sociedade democrática, o seu contributo para um maior dinamismo sectorial e relevância da intervenção social. Mas no caso da Comunicação Social a sua atuação ética é questionável e duvidosas as suas finalidades, pelo menos nalguns casos. Entre as quais, não está na esmagadora maioria das vezes, a prestação de um serviço público – que remetem para o Estado – ou, para o qual exigem retribuição porque entendem que não é a sua vocação natural. E é verdade.
E aqui radica o problema. Saber qual a vocação de um órgão de comunicação social público, e de um privado?
Tudo estaria bem se cada um assumisse a sua vocação natural sem se aventurar na área do outro. Vocação que resulta do estatuto que têm, como sectores público e privado.
Mas, ao contrário do que seria desejável, este, tomou-se um jogo sem regras. E porquê? Como naturalmente resulta do que foi dito, o poder advém da capacidade para influenciar maiorias, determinar os seus desejos e satisfazê-los, de acordo com objetivos bem definidos. Esta lógica de poder obriga ao controlo apertado do produto final, em que a «qualidade» se afere por níveis de audiência ou número de vendas.
« … estamos sempre ao serviço das audiências e isso fazemo-lo com muito orgulho e empenho. Queremos proporcionar aos públicos que existem e nos sintonizam o melhor produto que tivermos. Aí, não jazemos concessões: trabalhamos para o grande público. Temos o sentido das maiorias.»
Emídio Rangel, diretor de programas da SIC à TV Guia.
O lucro, ou é dinheiro, ou são votos. A sua obtenção através do exercício da Comunicação Social é legítima, porque a liberdade de escolha permite a cada cidadão comprar o jornal que quiser, ouvir a rádio que mais gostar e ver o canal de televisão da sua preferência.
Mas não é responsabilidade do Estado o financiamento de empresas cujo objetivo seja o lucro. Da sua responsabilidade é sim o financiamento de empresas que prestam um serviço público.
No que respeita à Comunicação Social. cabe ao Estado a prestação de um serviço público não lucrativo, estando aberta aos privados a sua exploração comercial. O que seria pacifico não fora a conquista do poder passar – hoje mais do que nunca – pelo sector, e a informação desempenhar um papel determinante nesta luta.
Daqui resulta a perversão das vocações dos sectores público e privado da Comunicação Social. A teoria aponta num sentido, e por interferência do poder, a prática aponta para outro Ao deixarem instrumentalizar-se as empresas dificultaram a separação das águas.
Aceitando entrar na disputa pela liderança das audiências, o sector público da Comunicação Social hipotecou a sua identidade, perdeu a sua razão e, principalmente, a credibilidade. Com a agravante de, numa perspetiva puramente empresarial, lutar com armas desiguais.
Ao mesmo tempo o Governo perdeu o único instrumento que lhe permitia garantir a defesa dos valores que asseguram a unidade e coesão nacionais, aceitando uma política que apenas serve objetivos programáticos conjunturais.
É uma responsabilidade da qual qualquer governo não se pode demitir, enquanto mandatário temporal e guardião, da vontade da maioria.
Mas, como evitar então, a irresistível vontade que deriva da luta política, de instrumentalizar o sector público de Comunicação Social?
A meu ver devem. por um lado, ser introduzidos mecanismos de fiscalização e controlo; e por outro, assegurado o financiamento. reduzindo ao mínimo a sua dependência de subsídios governamentais. Deve ainda ser garantida a nomeação de gestores com perfil adequado, com mandatos renováveis – desajustados dos ciclos eleitorais – em função do cumprimento das metas pré- estabelecidas.
Uma coisa deverá ficar clara. E uma missão de serviço público cujo objetivo não é o lucro, e apenas concorrencial no que diz respeito à qualidade.
Um serviço definido com regras e limites aceites por todos, em sede legislativa própria.
Porque de interesse nacional, exigirá das forças políticas um esforço de cedências suscetível de ultrapassar objetivos de conjuntura. Um sector de Comunicação Social forte e credível, ao serviço de todos, servirá sem dúvida melhor quem tiver a responsabilidade de governar com o mandato da maioria dos cidadãos.
À semelhança do debate sobre a transparência da vida política, torna-se imperioso o debate sério sobre a transparência da Comunicação Social.
À inevitabilidade da ação dos lobbys partidários e do clientelismo associado, há que ler a coragem de opor o espírito profissional, como única forma de combater a mediocridade e incompetência.
À irresponsabilidade de quem gasta os dinheiros do erário público, de todos nós, há que associar a responsabilização perante a lei e a obrigatoriedade de prestar contas.
Aos que alegam incapacidade de gestão por interferência do poder, há que dar uma autonomia responsável, para que se prove a sua capacidade técnica e humana na concretização das políticas definidas.
Nestas condições, aos jornalistas, há apenas que garantir condições técnicas e económicas que dignifiquem a profissão. e retirem margem de manobra às tentativas de pressão e instrumentalização.
Julgo que, caso se verifiquem estes pressupostos num serviço público de Comunicação Social, será possível ter uma informação democrática e plural, responsável e defensora dos direitos individuais e coletivos, representativa de todos e não só de alguns.
Quando se discute o Estado/Nação, quando se interroga Maastricht, quando se debate o papel da língua, quando se procura afirmar uma identidade cultural capaz de valorizar o país no contexto internacional, quem melhor que um serviço público de Comunicação Social responsável poderá ser porta-voz destas preocupações?
5. RESPONSABILIDADE SOCIAL /EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO
De repente, os jornalistas tornaram-se atores. São analistas, comentadores, opinion-makers, escritores, políticos, aparecem nas primeiras páginas e nas colunas sociais, são capa de revistas.
O crescente nível social e académico dos jornalistas, aliado às necessidades empresariais, impuseram a tendência para uma participação mais ativa e interventiva nos processos de produção da informação.
Do relato «objetivo» dos processos da vida e das instituições. passou-se à liberdade de estilo e conceção da escrita, personalização das autorias e assunção do direito de opinar, comentar, interferir e provocar, como consequências «maturais» de um estatuto que não foi conferido por ninguém.
Recordo as acesas discussões políticas sobre «isenção, rigor e objetividade» de há uma quinzena de anos, como peças de museu.
Tudo isto foi substituído pela fórmula do «interesse jornalístico», um saco inventado para acolher todas as justificações.
O jornalista passou a figurar no cortejo dos sucessos dos heróis públicos, tal como as figuras do mundo da economia e das finanças, do desporto, das artes ou do espetáculo.
Não posso apesar de tudo, deixar de relevar a importância deste tipo de jornalismo, nalguns aspetos. De facto tem constituído em diversas ocasiões o motor de desenvolvimentos de inegável interesse para a comunidade, promovendo a luta por novos ideais de justiça e solidariedade, impondo novas figuras e novos modelos.
Mas, e há sempre um mas, nada consegue justificar atitudes de superioridade moral e intelectual em relação a pessoas públicas, na maioria das vezes injustificadas, por vezes arrogantes e algumas vezes injustas.
«…no ato de relatar há sempre uma dose de subjetividade por parte do relator, mesmo que se trate de um jornalista empenhado em cumprir as regras da profissão.
A isenção pura não existe, é apenas a meta que o repórter independente tenta alcançar».
Joaquim Vieira, jornalista do Expresso num artigo sobre as eleições.
Sendo o homem falível, a liberdade resulta da capacidade de cada um em cada momento ter a perceção de ser limitado. Este entendimento reveste a forma de responsabilidade, sem a qual. a expressão livre dos sentimentos se traduz num desrespeito pelos direitos dos outros.
Tornados mediadores importantes do diálogo entre o poder e os cidadãos, revela-se hoje importante que o jornalista tome consciência da sua responsabilidade social. Só assim o seu papel se cumpre como defensor dos interesses da comunidade.
Como cidadão privilegiado com acesso à informação e capacidade de decisão na sua transmissão, forma e conteúdo, ao jornalista exige-se uma formação técnica e humana. que em momento algum possa ser colocada em causa.
O rigor na formação c seleção dos mais aptos para o exercício profissional, deveria constituir norma básica de atuação, seja das instituições académicas, seja das empresas.
Com o advento das rádios e tv’s privadas. e como atrás referi, como resultado da melhoria significativa do seu estatuto social, a profissão tornou-se especialmente atraente e aliciante para os jovens.
A proliferação de Instituto$ com cursos médios c superiores de Comunicação Social, fez o resto. Cursos com os curricula muitas vezes desajustados da realidade e sem cuidarem de aliar a teoria à prática, nalguns casos com um corpo de professores/formadores sem preparação pedagógica, aliados à deficiente formação trazida do ensino secundário, são algumas razões pelas quais a esmagadora maioria daqueles que entram num mercado de trabalho, pequeno
e limitado, se tornam presa fácil de empregadores e comissários políticos.
A conquista de um lugar na redação de um órgão de Comunicação Social, significa muitas vezes, abdicar do exercício sério da profissão. Felizmente as exceções existem.
Por estas razões se torna importante que o jornalista tenha a noção da sua responsabilidade social que é tanto maior, quanto melhor for a sua preparação técnica e formação humana. Uma e outra completam-se.
Cabe ao binómio escola/família a preparação do homem para a sociedade onde se vai integrar. Com o estatuto da família alterado pelas transformações provocadas por um movimento social acelerado, e à procura de uma nova posição, a escola ganhou uma responsabilidade acrescida na preparação do indivíduo para uma integração harmoniosa na comunidade.
Liberdade e responsabilidade, resultam naturalmente do crescimento equilibrado e saudável dos seres humanos, aos quais é proporcionado o acesso ao conhecimento e apoiado o desenvolvimento da afetividade.
A importância da Comunicação Social em geral e da informação em particular, na defesa, divulgação ou promoção de modelos comportamentais, acentua a necessidade de uma atuação mais criteriosa e rigorosa, logo mais exigente, de todos quantos participam na construção do edifício informativo.
«Até parece que as televisões querem decidir o resultado das eleições antes da ida às urnas, fiabilizando-se deste modo perante os partidos que fazem leituras das emissões decerto tão subjetivas quanto as que os repórteres estão a fazer das campanhas.»
Joaquim Vieira, jornalista do Expresso em artigo sobre as eleições
Ao jornalista exige-se hoje capacidade intelectual. agilidade mental. espírito analítico, rigor ético, sentido de equilíbrio, noção da responsabilidade. independência, criatividade. Muita coisa junta, dir-se-á, Talvez…mas será esta, porventura, uma das poucas maneiras de ir ao encontro de tudo aquilo que se esperava quando se escolheu a profissão.
6. COMUNICAÇÃO SOCIAL, SEGURANÇA E DEFESA
O quadro de referências traçado para o catual panorama da Comunicação Social, serve tão só, para permitir perceber que tipo de movimentações, relações ou diálogo será possível estabelecer com os responsáveis institucionais pelos sectores da Segurança c Defesa.
Parece-me que apenas existem duas maneiras para resolver a questão: por imposição, ou aceitação tácita.
A primeira está fora de questão porque não corresponde aos padrões pelos quais se rege a organização de uma sociedade democrática, que preza os valores da liberdade.
Logo, só a segunda hipótese poderá permitir estabelecer laços de entendimento que consigam superar as zonas de conflitualidade.
A defesa da soberania e a manutenção da ordem, são (ou deviam ser) valores socialmente aceites como imperativos de consciência e dever de cidadania.
As noções de cidadania. direitos e deveres cívicos, são especto incluídos (ou a incluir) num projeto de educação. A sua aprendizagem ocorre ao longo do processo de crescimento e amadurecimento de cada pessoa. Se esta é uma vertente importante na formação do indivíduo, no caso particular dos profissionais da Comunicação Social. dos jornalistas. deverá constituir matéria específica da formação profissional.
Esta poderia e deveria ser a primeira área de intervenção, por parte daqueles que têm a responsabilidade de pensar” Segurança e a Defesa. Sugerir, defender, participar, exigir, em resumo, sensibilizar, as hierarquias do Estado para a necessidade de terem em conta esta matéria, na elaboração dos currículos escolares. De uma forma direta seria a ligação à escola e indiretamente à educação. Um processo longo, sem dúvida, mas um contributo valiosíssimo para a sedimentação dos conceitos e ideias nas quais se baseia o ideal da democracia.
Uma outra instância de intervenção. poderia ser cometida ao Instituto da Defesa Nacional; a articulação e colaboração com Institutos e Escolas Superiores de Comunicação Social. Deste modo, aos futuros jornalistas, seria proporcionado o contacto direto com uma realidade que muitas vezes desconhecem, ou da qual têm ideias feitas por «ouvir dizer», ou ainda por absoluta falta de informação. Seria a meu ver. um método preventivo, capaz de contribuir para uma atuação mais consciente e responsável.
A participação de jornalistas como Auditores dos Cursos de Defesa Nacional, a solução adotada, carece na minha perspetiva, de continuidade. Não existe, ou é deixado ao livre arbítrio, o apoio pós-formação. Um trabalho que não poderá ser atribuído à Associação de Auditores, mas que deverá ser garantido com periodicidade pelo próprio Instituto, através da realização de
Seminários, Reuniões ou Encontros, que aproveitem a inesgotável fonte da atualidade para fornecimento de informação, confronto de ideias, análise ou troca de experiências.
E porque não adotar uma especialização em temas de Defesa Nacional, cujos profissionais seriam posteriormente acreditados junto das instituições?
Isto evitaria a possibilidade do tratamento e cobertura de acontecimentos considerados importantes. ser feita por jornalistas sem background, sensibilidade e informação. independentemente da sua capacidade profissional
E porque não a permanente atualização da informação. eventualmente anotada por responsáveis institucionais ou gabinetes de reflexão, e a sua distribuição por esses mesmos profissionais de forma restrita e confidencial? Poder-se-ia considerar uma ação deste tipo, formação contínua.
E porque não ainda proporcionar formação especifica àqueles que nos diversos estabelecimentos e instituições ligadas à Segurança e Defesa. têm por missão fazer a ligação com a Comunicação Social? Uma tarefa que tem muito pouco a ver com Relações Públicas, esta a designação existente na esmagadora maioria dos casos, e que suscita dificuldades no diálogo. desentendimentos e distorções da realidade.
E porque não sensibilizar as instâncias mais altas e com poder de decisão. para o facto de que mais vale a informação correta em tempo útil, que a esquiva, as reticências ou a meia verdade? Casos bem recentes da atualidade nacional não assumiriam certamente os contornos de polémica pública, caso os contactos com a Comunicação Social se tivessem processado de outra forma. No atual panorama da Comunicação Social, esconder é a melhor forma de.mais tarde ou mais cedo, tornar visível.
Por último. um especto fundamental. A aproximação dos meios castrenses à sociedade civil. retirando a carga de alguma «impunidade. secretismo e espírito corporativo» que. apesar de tudo, faz ainda parte da sua imagem.
Da mesma forma que os cidadãos só aceitam e compreendem a atuação das Forças de Segurança, quando com elas se identificam. o mesmo acontece com os militares; a opinião pública só estará do seu lado. quando tiver consciência que o papel que desempenham na sociedade. é do seu próprio interesse. O interesse nacional. Isto consegue-se com informação, e com a informação, e não esquecendo-a ou lutando com ela.
Os jornalistas são o elo de ligação e o fator de diálogo com as populações. Imaginar o seu trabalho num quadro em que não exista entendimento ou reciprocidade, é um erro que alguns pagam caro. e poderá revestir de grande gravidade para o país.
Trabalho monográfico individual elaborado pelo autor, na qualidade de auditor do Curso de Defesa Nacional (CDN95), selecionado para publicação na revista «Nação e Defesa».
José Cândido Sousa