Será a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) relevante para o futuro de Portugal?

“…A Comunidade de Países de Língua Portuguesa, ainda é uma utopia, que pode ser criadora se houver visão de curto, médio e longo prazos…”.

Adriano Moreira In Congresso Movimento Internacional Lusófono, 12 de maio de 2017

Introdução

Fala-se atualmente muito pouco da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), e muito desse pouco é para dizer mal ou para criticar a inação política, a falta de iniciativa operacional e de relevância estratégica. Porque é uma organização que existe há pouco mais de 25 anos e está ainda numa fase de construção e consolidação, justificam uns; porque não tem ainda arcabouço político e visibilidade estratégica, sugerem outros; porque faltam-lhe razão de ser no campo da diplomacia e da utilidade para o cidadão comum, sublinham ainda alguns especialistas. Por conseguinte, a CPLP, não parece ter uma linha de rumo e relevância para se constituir numa opção politico-estratégica para Portugal, na sua Política Externa, afirmam até aqueles acerrimamente mais críticos da relevância da CPLP para Portugal.

Pretendemos neste ensaio demonstrar precisamente o contrário, e constatar que a viabilidade da CPLP depende essencialmente da sua utilidade percetível e de base; e que esta está diretamente relacionada com o regresso à missão fundadora no contexto da Cultura partilhada, da Língua vivida e da História comum…embora num ambiente geoeconómico e geopolítico mais exigente como é o que vivemos atualmente.

A Comunidade, está assente num modelo de gestão por objetivos e afirma-se, diariamente, num maior comprometimento político-diplomática por parte de todos os governos dos atuais nove Estados-Membros…pois que a CPLP será tanto mais relevante quanto maior for a relevância que cada Estado-Membro lhe atribuir de per si. Neste contexto, a nossa pergunta de partida para esta reflexão é procurar saber se a CPLP é de facto relevante para Portugal e sendo hipoteticamente relevante, e numa segunda fase, identificar quais as principais ameaças e oportunidades que podemos esperar nesta relação político-estratégico-diplomática que tem mais de 25 anos e que materializam a presença da língua portuguesa no mundo.

As Instituições Precursoras da CPLP e o Papel de Portugal

 Em datas mais recentes, entre os precursores da CPLP, encontramos duas instituições cuja natureza interessa ao tema em discussão: A Associação das Universidades de Língua Portuguesa (AULP), fundada na cidade da Praia, Cabo Verde, em 1986, com a intenção explícita de acompanhar de perto a cooperação bilateral no domínio da cultura e da educação, e privilegiar a interação multilateral nos domínios do ensino e da ciência. Foi precisamente no discurso de abertura da AULP enaltecido o dever e o simbolismo de, neste ponto, em jeito de merecida homenagem, lembrar o valor decisivo da visão e compromisso do Professor António Simões Lopes no processo de criação e consolidação da Associação das Universidades de Língua Portuguesa, da qual foi o seu primeiro presidente, na qualidade de Reitor da Universidade de Lisboa e também precursor da CPLP.

Outro precursor da CPLP foi o designado “Instituto Internacional de Língua Portuguesa” (IILP), criado no Maranhão, Brasil, em 1989, atualmente com sede na cidade da Praia em Cabo Verde. Naquela época de reencontros significativos, em ambos os lados do Atlântico, Brasil e Portugal, dois homens distinguiram-se da forma ímpar como anteciparam o futuro na ação concreta da construção da CPLP: o Embaixador José Aparecido de Oliveira e o Professor Adriano Moreira, duas personalidades a quem se deve a origem da CPLP.

Também a história da CPLP já tinha registado que, em 1983, Jaime Gama, na qualidade de Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, escolheu uma visita oficial a Cabo Verde para apresentar na cidade da Praia aquilo que na altura era verdadeiramente uma ideia peregrina e uma reflexão de ensaio político: a edificação de uma “Comunidade dos Países de Língua Portuguesa”. Aliás, foi de fato, o primeiro a utilizar este termo e a desenvolver esta ideia, que viria a crescer por todo o mundo e se centrou em Lisboa (único país onde existiam todas as embaixadas de todos os Estados-Membros), tendo dado origem em 17 de julho de 1996 à CPLP…temos pouco mais de 25 anos. Somos, por isso, uma organização ainda jovem em crescimento e em construção…e por isso Portugal não pode, nem deve, abandonar essa responsabilidade que herdamos do nosso passado no mundo e que nos “obriga” a considerar a CPLP como um ativo na nossa política externa e na nossa relação com o mundo. Esta ideologia segue um princípio que herdamos dos nossos antepassados, e que confere a uma nação média um potencial acrescido na sua dimensão diplomática e de ponte entre organizações, países, continentes. O mais relevante para o futuro de Portugal é precisamente otimizar essa capacidade de estar e de ser “Lusófono” no mundo global e globalizado.

Os Fundamentos Ideológicos da CPLP e a Matriz Portuguesa

Antes da constituição formal da CPLP, encontrámos muitas opiniões favoráveis, que assentavam em critérios linguísticos, culturais e históricos, para justificar, como vimos, as cláusulas da solidariedade entre povos na busca comum da Liberdade, Democracia e do Desenvolvimento Sustentado. Esta busca por fundamentos ideológicos para a criação da CPLP, teve como vimos uma enorme influência da matriz portuguesa, ao olhar para o mundo e perceber que a dimensão e o valor geopolítico da língua portuguesa poderia de fato catapultar Portugal para outras regiões e permitir que Portugal seja das nações com maior grau de representatividade no contexto internacional…esse é também um dos paradigmas da nossa ligação à Comunidade…e essa é a forma como deveremos ver a CPLP, afirmando-se como um vetor ativo da nossa política externa no mundo. Neste contexto, não terá sido por acaso, que estas duas já aludidas instituições precursoras dos fundamentos ideológicos da CPLP, posteriormente integradas ou adotadas, foram efetivamente a Associação das Universidades de Língua Portuguesa (AULP) e o Instituto Internacional de Língua Portuguesa (IILP) e que a personagem do Professor Adriano Moreira e de Portugal esteve indubitavelmente ligado à sua matriz ideológica.

Assim, a Declaração Constitutiva, de 17 de julho de 1996, parte do imperativo de consolidar uma identidade própria (Lusofonia) baseada num idioma comum (Língua Portuguesa), com vista a contribuir para o reforço dos laços de solidariedade e cooperação entre os, na altura, sete países da Lusofonia. A Declaração refere-se à língua portuguesa como veículo, património, espaço e fundamento de um projeto comum, em diálogo, com outras línguas nacionais, numa relação de complementaridade e afirmação identitária.

A coordenação político-diplomática é mencionada no fim, como que a sugerir que resultará, naturalmente, da valorização do idioma comum e que nestes mais de 25 anos depois degenerou em 26 áreas distintas de cooperação sectorial, o que mostram não só a vitalidade, mas a relevância que deriva de ser um potente mecanismo de cooperação que não pode, nem deve, ser dispensado por Portugal na relação com o Mundo Lusófono. Os Estatutos da CPLP, aprovados na mesma data, fixam desde logo, como sabemos, três grandes objetivos: a concertação político-diplomática; a cooperação em diversos domínios e, a materialização da promoção e difusão da língua portuguesa que continua a ser atualmente muito válidas e basilares para a nossa ligação à Comunidade

O Comunicado Final da Cimeira Constitutiva de Lisboa, mais perto do texto da proclamação, deu primazia à cooperação cultural e à operacionalização do Instituto Internacional de Língua Portuguesa (IILP), criado para promover, enriquecer e difundir a língua como veículo de cultura, educação, informação e acesso ao conhecimento científico e tecnológico. Fator de afirmação da nossa identidade na rede global de conhecimento e que constitui um fator determinante do poder do próprio Estado em contextos de globalização, onde a língua é um potente instrumento agregador e identitário.

Do ponto de vista histórico e institucional, apesar de algumas incongruências na definição dos objetivos, parece não existirem dúvidas de que os antecedentes pensadores, as instituições precursoras e os textos fundadores da CPLP, consubstanciam a importância da língua portuguesa como instrumento de união entre povos e ideologias e que tudo pode unir, pois que através do que ela simboliza, as diferentes comunidades apostam na sua força para contribuir para o bem-estar material e social das populações agregadas por este conceito.

Qual deve ser o papel de Portugal no futuro da CPLP?

A prática mostra-nos uma CPLP politicamente e economicamente fraca, sem linha de rumo percetível, hesitante entre as pressões conjunturais regionais e globais, e à procura de um projeto estável, afirmativo e mobilizador. Diríamos, numa só palavra, que a CPLP é para Portugal uma onda num mar agitado…onde sabemos que nos pode levar para algum lugar, mas não sabemos exatamente para onde e por isso temos de conhecer o mar onde navegamos e surfar na crista da onda da cooperação multidominio.

Por conseguinte, por incómoda que seja, esta pergunta parece tecnicamente correta: Será a CPLP relevante para Portugal? Em nosso entender, pensamos que sim e que depende, fundamentalmente, de três condições:

    1. Realizar uma reforma interna para se adequar às novas dinâmicas da cooperação internacional e tornar-se efetivamente mais útil, necessária e potencialmente instrumento da Política Externa Portuguesa;
    2. Reforço a visibilidade internacional ao nível da concertação político-diplomática e na possibilidade de servir de fórum de diálogo entre os países da Lusofonia…nomeadamente nos contextos regionais e globais onde estão representados e onde Portugal poderá estar presente;
    3. E por último, reforçar o papel na defesa da cultura, da língua portuguesa e contribuir para uma maior presença do português no mundo e nas redes globais de conhecimento.

Cremos também que a reunião destas três condições poderia acelerar o processo de clarificação do conceito de “Lusofonia”, libertando-o definitivamente de qualquer conotação do passado, e abrindo a porta a um mundo novo…onde Portugal deve estar…também por via da CPLP.

Conclusões

A CPLP é parte da nossa história e representa a ligação ao ideal da lusofonia e da expressão máxima da língua portuguesa e da cultura lusófona no mundo global. É por esse motivo um potente instrumento político-diplomático e de projeção de Portugal no mundo. O grande desafio passado estes mais de 25 anos é passar de uma comunidade imaginada e moribunda a uma comunidade viva e necessária. Mudança que depende essencialmente da vontade política dos nove Estados-Membros, mas também dos cerca de 30 Estados Observadores Associados que materializam o amago da Comunidade. Este é desafio maior para Portugal, o de ser capaz de liderar o processo de adaptação e renovação, tal como liderou a criação e conduziu grande parte das dinâmicas ao longo dos mais de 25 anos da sua existência.

Um grande projeto está assim ao alcance da mão e a questão para Portugal é de escolher entre naufragar ingloriamente nos mares da CPLP ou assumir com determinação o seu destino, a sua missão fundadora, que é a defesa da língua portuguesa e da cultura lusófona…agora num contexto de vantagem económico-financeira e diplomática que será potencialmente favorável para Portugal.

Os desafios para Portugal são muitos, mas as oportunidades são imensas…esperemos que possamos quando a Comunidade fizer as suas bodas de ouro, possamos todos nos congratular pelas decisões que hoje nos fazem olhar para a CPLP como um ativo de Portugal no Mundo.

 

Bibliografia:

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BERNARDINO, Luís Manuel Brás e RIZZI, Kamilla Raquel (Coordenadores) (2023). 25 Anos de Cooperação de Defesa na CPLP. Cooperativa de Ensino Universitário – Universidade Autónoma de Lisboa. 1ª Edição 2023. ISBN: 978-989-33-4737-9. http://hdl.handle.net/11144/6675.
https://repositorio.ual.pt/entities/publication/435e681a-cb41-4b52-a704-af9a09239d3f

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MOREIRA, Adriano (2001). Comunidade dos Países de Língua Portuguesa: Cooperação. Instituto Português da Conjuntura Estratégica. Editora Almedina. Coimbra.

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TORRES, Adelino e FERREIRA, M. Ennes (2001). Comunidade dos Países de Língua Portuguesa: Cooperação. Instituto Português de Conjuntura Estratégica. Almedina. Coimbra.

Luís Manuel Brás Bernardino
Coronel do Exército Português na situação de Reserva, habilitado com o Curso de Estado-Maior e o Curso de Defesa Nacional. Mestre em Estratégia e Doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Lisboa. Atualmente é Professor Auxiliar na Universidade Autónoma de Lisboa (UAL), e Investigador Associado do OBSERVARE (Observatório de Relações Exteriores da UAL). É desde 2024, membro da Associação de Auditores dos Cursos de Defesa Nacional (AACDN). lbernardino@autonoma.pt.

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