
O Instituto da Defesa Nacional (IDN), criado em 1976, herda a missão do Instituto de Altos Estudos da Defesa Nacional (IAEDN), fundado em 1967, e foi reestruturado em 1982, passando a dispor de autonomia científica e pedagógica sob tutela direta do Ministério da Defesa Nacional. A sua criação representou um marco na institucionalização da cultura estratégica em Portugal, ao integrar militares, civis e académicos num espaço de reflexão conjunta sobre segurança, política externa e defesa. Complementarmente, em 1981 surge a Associação de Auditores dos Cursos de Defesa Nacional (AACDN), reunindo diplomados do Curso de Defesa Nacional do IDN e garantindo a continuidade de uma comunidade de debate estratégico, atualizada e atenta às transformações internacionais.
A relevância destas instituições tem vindo a crescer num contexto internacional caracterizado por volatilidade e múltiplas ameaças simultâneas. O ano de 2025 é paradigmático desta realidade: a guerra na Ucrânia prolonga-se com elevado custo humano e impacto energético; no Médio Oriente, o conflito iniciado em Gaza em 2023 escalou para confrontos diretos entre Israel e o Irão, arrastando o Líbano e o Iémen para uma espiral de instabilidade; a guerra civil no Sudão, com mais de 150 000 mortos e infraestruturas sanitárias em colapso, desencadeou uma crise humanitária de proporções continentais. Na República Democrática do Congo, os confrontos com o grupo M23 e a interferência regional ruandesa obrigaram centenas de milhares de civis a fugir, enquanto ataques recorrentes de grupos associados ao Estado Islâmico intensificam a insegurança. No subcontinente indiano, a escalada recente entre Índia e Paquistão revelou a persistência de um risco nuclear latente, e na Ásia-Pacífico as tensões entre a China e os Estados Unidos sobre Taiwan e as rotas do Mar do Sul da China são vistas como potenciais catalisadores de uma nova guerra de grande escala.
Este panorama multipolar é descrito por vários centros de estudos internacionais como uma “idade da poli-crise”, onde conflitos armados, competição tecnológica, mudanças climáticas e insegurança energética se sobrepõem, exigindo abordagens integradas. Portugal, pela sua posição geoestratégica e inserção euro-atlântica, não é um observador distante: é um ator com responsabilidades próprias. Membro fundador da NATO desde 1949 e com forte ligação às redes multilaterais da União Europeia e das Nações Unidas, Portugal ocupa uma localização singular, servindo de elo entre a Europa, África e a América. A sua vasta Zona Económica Exclusiva e o posicionamento no Atlântico atribuem-lhe relevância na segurança marítima, na proteção de rotas logísticas e na vigilância de áreas críticas de interesse global.
Neste quadro, a preparação de quadros civis e militares capazes de compreender a complexidade geopolítica e de articular respostas nacionais e internacionais torna-se uma necessidade estratégica. O IDN tem cumprido esse papel ao longo de décadas, ao formar dirigentes políticos, académicos, altos funcionários e militares, fornecendo-lhes ferramentas para interpretar cenários de crise e formular políticas baseadas em conhecimento. A AACDN prolonga esta missão ao criar uma rede de diplomados que atualiza continuamente as suas competências, integra experiências interdisciplinares e promove debate informado sobre segurança e defesa.
Mas a defesa nacional, hoje, não se restringe à projeção de força militar: integra dimensões como a segurança humana e a resiliência social. Entre elas, a organização de cuidados de saúde em contexto de conflito armado emerge como elemento central. A destruição de infraestruturas sanitárias, o deslocamento massivo de populações e a rutura de cadeias de abastecimento tornam a saúde uma linha da frente tanto quanto o teatro de operações militares. A resposta eficaz exige planeamento prévio, coordenação logística e capacidade de integrar cuidados primários, medicina de emergência, saúde mental e controlo epidemiológico. Em conflitos prolongados, assegurar vacinação, obstetrícia e tratamento de doenças crónicas é tão vital quanto o atendimento de feridos de combate.
Portugal tem experiência consolidada neste domínio. Nas missões de paz na Bósnia- Herzegovina e no Kosovo, contingentes médicos portugueses integrados nas forças da NATO garantiram cuidados a feridos, apoio psicológico e organização de estruturas sanitárias de campanha, respondendo a crises humanitárias em larga escala. Em Timor-Leste, durante a transição para a independência, o contingente médico português não só assegurou cuidados imediatos como participou na reconstrução do sistema de saúde local, colaborando com organizações internacionais na formação de profissionais e no restabelecimento de serviços primários. Em África, missões na República Centro-Africana e no Chade confirmaram a capacidade portuguesa de operar sistemas médicos de campanha, gerir surtos epidémicos e articular resposta sanitária em cenários de instabilidade prolongada. Em Moçambique, no apoio humanitário pós-ciclones, as unidades médicas portuguesas desempenharam um papel vital na assistência a populações deslocadas e no controlo de doenças infeciosas em contexto de crise.
Estes exemplos refletem um modelo de integração entre saúde e defesa que Portugal tem vindo a aperfeiçoar. As Forças Armadas Portuguesas mantêm unidades médicas de “RoleI” e capacidade de evacuação e apoio sanitário em missões da NATO, da União Europeia e das Nações Unidas. Paralelamente, Portugal participa ativamente na elaboração de protocolos internacionais de medicina operacional e de apoio humanitário, que incluem desde a evacuação médica até à proteção de civis e reconstrução de sistemas de saúde após o cessar-fogo. Este contributo reforça a visão de que a segurança nacional moderna incorpora a saúde pública como pilar essencial de estabilidade e reconstrução.
A experiência portuguesa em articular defesa, diplomacia e saúde tem ainda uma dimensão de soft power. As missões médicas em Timor e África deixaram marcas de confiança e cooperação que perduram para além do contexto militar, evidenciando que a capacidade de cuidar em cenário de guerra é também uma ferramenta diplomática e de construção de paz. Essa vertente humanitária complementa a inserção estratégica de Portugal na NATO e na União Europeia, reforçando a imagem do país como aliado credível e parceiro ativo na segurança coletiva.
Face a este quadro global, a importância de formar quadros dirigentes que dominem não apenas a geopolítica, mas também as interseções entre defesa, saúde e resiliência social, é indiscutível. O IDN proporciona a base académica e analítica para esta preparação, enquanto a AACDN garante a continuidade e atualização dessa cultura estratégica. Ao reunir militares, civis e académicos, a AACDN cria um espaço plural onde diferentes experiências e conhecimentos convergem, permitindo respostas mais integradas e alinhadas com as necessidades do século XXI.
Em síntese, o IDN e a AACDN constituem um dos pilares da literacia estratégica nacional. Num mundo onde conflitos ativos e latentes se multiplicam — de Gaza ao Sudão, do Sahel ao Mar da China Meridional — e onde a segurança humana é cada vez mais reconhecida como parte indissociável da defesa, a capacidade de planear e organizar sistemas de saúde em contextos de guerra assume-se como um imperativo. Portugal, pela sua posição geográfica, vocação atlântica e experiência em missões internacionais, está bem posicionado para conjugar projeção estratégica e assistência humanitária. Essa dupla competência não só fortalece a segurança nacional, como também reforça a relevância de Portugal no cenário global, transformando conhecimento e prática em instrumentos de paz e estabilidade.
Prof Doutora Fátima Carvalho
Auditora do Curso de Defesa Nacional
Assistente Graduada Sénior de Cirurgia Pediátrica na ULSS António

